Às vezes o barato sai caro

Como todos os meus amigos sabem que sou economista, costumam perguntar-me onde é que se pode comprar mais barato isto ou aquilo. Pensam – erradamente – que economizar é isso mesmo, i.e. optar sempre pelo mais barato. Infelizmente, na maior parte das vezes é mais complicado que isso. Muitas vezes, optar pela alternativa com custo imediato mais baixo (o mais barato) pode mesmo ser a pior solução, i.e., a prazo, pode até sair mais caro. Daí que eu tenha escolhido para o título deste post “Às vezes o barato sai caro”.

Mas como é que isso é possível? Eu explico.

Do ponto de vista económico, a melhor solução é sempre aquela onde a diferença entre benefícios totais e custos totais é maior. É assim porque, como seres humanos, procuramos sempre o maior prazer com o menor desconforto possível. Mas, para sermos rigorosos, associados a determinada alternativa devemos incluir (quantitativamente) nos benefícios totais todos os factores que contribuirão para o nosso prazer ou bem-estar, assim como devemos também incluir (quantitativamente) do lado dos custos totais todos os factores que nos darão desconforto, desprazer ou mal-estar. Muitos destes benefícios e custos são psicológicos e subjectivos mas devemos atribuir um quantitativo em euros para que possamos decidir racionalmente sobre a melhor alternativa a escolher. Por exemplo, frequentar o ensino superior implica muitas vezes ter de ir a exame ou sujeitar-se a uma prova oral. A decisão de frequentar ou não frequentar o ensino superior deve contabilizar o custo associado ao desconforto de fazer um exame. Como contabilizar isto? A solução proposta pelos economistas é muitas vez algo do tipo “Quanto é que estaria disposto a pagar para não ter de se sujeitar a isso?”.

Haveria também de incluir do lado dos custos os chamados custos de oportunidade, que são o valor da melhor alternativa de que abrimos mão quando escolhemos determinada alternativa. É neste sentido que, por exemplo, ler um daqueles jornais diários que são grátis (lembre-se do Destak ou do Metro) também tem um custo associado: o valor da melhor alternativa que estaríamos a seguir, caso não estivéssemos a ler o dito jornal. É neste sentido que os economistas dizem que TUDO tem um custo; não há almoços grátis!

Fazendo uso do senso comum, as pessoas costumam cometer três erros na escolha da melhor alternativa.

O primeiro erro, é serem economicistas, i.e. apenas olharem para os custos, ignorando que há também benefícios associados a determinada alternativa e o que interessa é garantir que escolhemos a alternativa onde é maior a diferença entre o benefício total e o custo total. Este erro é tão comum que um governante pode ser levado a praticar uma política pública de maior austeridade (que é naturalmente economicista) em vez de seguir uma política de maior racionalidade no uso dos recursos de todos.

O segundo erro que as pessoas cometem é que apenas considerarem benefícios e custos de ordem financeira, i.e. apenas as receitas obtidas e as despesas (out-of-pocket) que são pagas. Este é, talvez, o erro mais comum, em que as pessoas ignoram a existência de benefícios e custos que, não tendo uma expressão financeira têm certamente uma importância económica. Refiro-me ao prazer ou bem-estar e ao desconforto ou desprazer que retiramos de determinada alternativa. Conclui-se desde logo que economia não é finanças.

O terceiro erro que as pessoas cometem é o de não reconhecer que quer os benefícios quer os custos (financeiros e não financeiros) podem ser diferidos no tempo, i.e. podem não ser todos imediatos – um pode materializar-se agora e outro pode surgir algum tempo depois. Como lidar com esta situação? O primeiro passo é identificar a sequência temporal de todos os benefícios e custos (financeiros e não financeiros) que ocorrerão. Se existe incerteza sobre quando e se ocorrerão, terá então de atribuir uma probabilidade (um valor entre 0% e 100%) para a sua ocorrência. Mais importante ainda é converter para o presente – fazer o que os economistas chamam de actualizar ou calcular o valor actual – todos os benefícios e custos que não ocorrerão imediatamente.

Um exemplo ajuda a perceber o que está em causa aqui. Se nos disserem que ganhámos 100 000 € na lotaria, ficamos todos contentes. Mas não ficaremos indiferentes a receber os 100 000 € agora ou, em alternativa, esperar um ano até os receber. É assim porque 100 000 € recebido hoje é mais valioso que 100 000 € que recebermos daqui a um ano. Porquê? Porque se tivéssemos 100 000 € agora e o depositássemos num banco, passado um ano teríamos o correspondente ao capital (100 mil) e aos juros, líquidos dos efeitos da inflação (perda de poder de compra devido ao aumento do nível de preços que entretanto ocorreu) e dos impostos sobre o rendimento de capitais que tivéssemos que suportar. O ponto fundamental é que o valor actualizado de 100 000 € que receberemos daqui a um ano é calculado como 100 000 € / (1+r), onde r é a taxa de rendibilidade (uma percentagem superior a 0%), e logo o valor actual de 100 000 € recebidos daqui por um ano é inferior a 100 000 €.

Mas será que é tão importante levarmos em conta todos estes detalhes? É, e vamos ver porquê através de alguns exemplos.

Quem é que nunca viu uma promoção num supermercado para uma impressora a cores que custa menos que os tinteiros? Como é que é possível? Será dumping? Não. É apenas uma estratégia comercial que apenas terá sucesso entre os agentes económicos que não reconhecerem que para além de um custo inicial (que é muito baixo) será necessário depois pagar mais pelos tinteiros. O fabricante não perde dinheiro porque o valor actual de todos os pagamentos é suficiente para cobrir os seus custos. Isto assegura-lhe um lucro.

Outro exemplo relacionado com o exemplo anterior são alguns telemóveis. O custo inicial do equipamento é muito baixo mas depois, associado à compra, está a necessidade de fidelização a uma operadora onde as chamadas ao minuto são muito mais caras. Um bom exemplo de como o barato pode sair caro …

Ainda outro exemplo. Compramos um artigo com um preço mais baixo e pensamos que fizemos boa compra. Com o passar do tempo, reconhecemos que talvez fomos enganados ou porque a qualidade não é tão boa (afinal os benefícios são inferiores aos esperados) ou porque o artigo não vai durar tanto tempo. Mais uma instância de como o barato pode sair caro …

Outra ilustração. Os cartões de crédito comportam anuidades (pagamentos anuais que temos de fazer por usar o cartão) e dão-nos descontos (ou em pontos ou em dinheiro) em função das compras que fizermos. Para alguém que use pouco o cartão de crédito, o valor dos descontos será inferior ao valor da anuidade que pagou. É caso para dizer, era melhor ter estado quieto!

E para terminar, concluo com a campanha Continente-EDP onde é dado um desconto de 10% do valor do consumo em electricidade pago num vale de compras que pode ser usado no hipermercado Continente. Hummm … Fiquei logo a pensar como é possível? No início ainda pensei que poderia ser uma estratégia para angariar clientes – se tenho um vale de desconto no Continente e já que estou aqui, vou fazer as compras da semana ou do mês, em vez de saltitar de loja em loja. Pode ser. Mas depois descobri que para beneficiar do desconto de 10% (algo que no meu caso pode ascender a 200 € por ano) é preciso alterar o contrato de fornecimento da minha electricidade para a EDP-Comercial. Fui logo ver a tabela dos preços – tudo igual … Hummm. E foi então que soube que no âmbito da EDP-Comercial o preço de cada kilowatt de energia deixa de ser regulado (ou controlado) pelo Estado. O que quer dizer que os preços no futuro podem ser muito mais elevados para quem aderiu ao descontozinho no Continente.

É caso para dizer, bem que eu estava desconfiado! Não há mesmo almoços grátis! 🙂

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Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
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