Hoje vou dedicar dois posts ao tema dos impostos. E começo com a inflação – o imposto mais sacana de todos, precisamente porque é um imposto escondido.
A inflação é a subida generalizada do nível de preços que causa uma perda de poder de compra se não houver o que os economistas chamam de indexação, i.e. se os nossos rendimentos em termos nominais não forem actualizados pelo menos à mesma taxa.
Tipicamente, os preços dos bens e serviços que adquirimos (o que vulgarmente damos o nome de custo de vida) aumentam mais depressa do que o valor do nosso rendimento. É assim porque não estamos protegidos dos efeitos da inflação. O Estado deveria proteger os menos favorecidos, razão pela qual sempre defendi uma regra para a actualização das pensões que garantisse um aumento em linha com a inflação. Precisamente para evitar a degradação do poder de compra de quem sobrevive com um rendimento fixo. Infelizmente, esta “regra” tem vindo a ser suspensa sistematicamente, algo que não se faz a uma regra.
Os efeitos da inflação (e, por maioria de razão, da hiper-inflação) incluem uma redistribuição arbitrária da riqueza e acabam por beneficiar os devedores à custa dos credores. Logo, para além de efeitos negativos em termos de justiça social, tem também um significativo custo em termos de eficiência, i.e. torna as economias menos saudáveis.
Mas, infelizmente para todos, a inflação é considerada um imposto sacana também por outro motivo. Passo a explicar.
A inflação é um fenómeno viral e muito interessante de estudar do ponto de vista conceptual. Mas é muitíssimo perigoso especialmente a taxas mais elevadas, simplesmente porque quanto maior a taxa média de inflação, mais imprevisível e menos controlável esta se torna.
Huh? Mas então há quem ganhe com a inflação? Sim. E é essa a raiz do problema. Um Estado com uma enorme dívida e que controle a emissão de moeda tem o incentivo a criar inflação, precisamente para deflacionar ou desvalorizar o valor do que deve. É assim se as suas obrigações forem denominadas na moeda cuja emissão ele próprio controla. São inúmeros os episódios na história económica de países que, sem acesso a financiamento externo e sem activos de valor, viraram-se para o chamado “financiamento monetário do défice público” que mais não é que emitir mais moeda e usá-la para comprar bens e serviços e ou para pagar os salários a militares por exemplo. Isto aconteceu variadíssimas vezes na história e é uma das razões para a queda do Império Romano. Como se fazia isso na prática? Voltando a cunhar a moeda do Reino ou do Império mas reduzindo a componente de metal precioso de forma a permitir cunhar cada vez mais moedas. Claro que, a prazo, os preços aumentam porque os vendedores ou os produtores exigem cada vez mais moedas em troca dos bens e serviços que providenciam. E quando se implanta a expectativa que temos entre mãos um jogo de “cadeiras musicais” (em que vamos tirando uma cadeira de cada vez e quando a música pára haverá alguém que fica de pé), então temos um problema de inflação.
Muitos que lêem este post poderão estar a pensar “Mas o que é que esta ladainha sobre história económica tem a ver com a actualidade?”. Tem tudo a ver. A independência dos bancos centrais é importante para que os Estados possam sinalizar de forma credível que não farão o financiamento monetário dos défices públicos. (Resta saber se o que o BCE está neste momento a fazer comprando dívida soberana não é exactamente o mesmo …) A relutância da Alemanha em permitir uma política monetária mais laxista tem tudo a ver com o episódio de hiper-inflação que viveram no século passado e que está muito presente na memória de todos os Alemães. E assim chegamos à escalada do preço do ouro, um bem que é a reserva de valor por excelência e que tem vindo a bater novos máximos nos últimos meses. Será a sua evolução apenas o resultado da especulação dos mercados?
Não me parece. Não irei ao ponto de considerar que devemos manter todo o nosso património em ouro – até porque o preço deste é volátil e não é um factor de produção como Warren Buffett nos lembra – mas também não concordo com os que dizem que o ouro é uma relíquia bárbara.
Uma posição mais equilibrada parece-me de bom senso. Muita da prosperidade que alcançámos recentemente deve-se ao mecanismo de crédito e ao modelo de papel-moeda que é vigente por todo o mundo. Claro que não podemos ser ingénuos. Como bons jogadores de xadrez, devemos tentar antecipar a próxima jogada, senão o nosso património perderá valor. Em termos mais concretos, o poder de compra do que acumulámos ao longo dos anos degradar-se-á.
Se olharmos para os dados, cujos gráficos incluo de seguida, reparamos que o chamado papel-moeda (ou moeda fiduciária, porque circula pela confiança que temos no seu valor, não sendo convertível em ouro ou outro activo), no caso do dólar norte-americano, perdeu quase a totalidade do seu valor desde a Grande Depressão ocorrida nos anos 1930. Os gráficos seriam muito semelhantes para outras divisas – menos para o franco suiço. Portanto é uma característica do papel-moeda e não do dólar norte-americano. A perda da convertibilidade em ouro acompanhada da emissão massiva de moeda explicam, por um lado, a perda de poder de compra do dólar e, por outro lado, a valorização do ouro.
Termino este longo e complexo post com um último gráfico, que representa a evolução do preço de uma onça de ouro desde meados de Janeiro de 2011.
O preço do ouro continua a sua marcha ascendente, mas com alguma volatilidade – depois se aproximar dos $1950 por cada onça está agora perto dos $1650. Os entendidos na análise técnica de gráficos financeiros como este sugerem que muito em breve o preço do ouro estará novamente acima dos $1700.
Como entender isto? Poderá ser os 500 mil milhões de euros que o Banco Central Europeu emprestou a 1% aos principais bancos europeus para se recapitalizarem a tempo de apresentar melhores números nos seus relatórios anuais. Poderá também ser o aumento da procura por parte da China – lembremo-nos que no dia 23 de Janeiro de 2012 os Chineses celebraram o início do Ano do Dragão, um evento onde os mais velhos dão prendas (muitas vezes em ouro) aos mais novos.
Mais provavelmente, o gráfico sobre o preço do ouro reflecte a enorme emissão de moeda a nível mundial que ocorre desde a eclosão da crise financeira internacional em 2008. Não critico esta política uma vez que até agora os riscos de deflação (deflação é um redução generalizada do nível de preços; não confundir com desinflação que é simplesmente a redução da taxa de inflação) superavam claramente os riscos de inflação. Contudo, à medida que os canais de transmissão de crédito começarem a fluir com mais moeda, os bancos centrais por todo o mundo vão ter de secar esta liquidez. Se o fizerem demasiado rapidamente, criarão nova recessão. Se o fizerem demasiado lentamente, corremos o risco de hiper-inflação.
Essa reanimação da actividade económica ainda não se deu, simplesmente porque os bancos estão sentados em cima de toneladas de papel-moeda, com medo sobre o que o futuro lhes reserva.
De qualquer forma, quem compra ouro parece que aposta em maior incerteza sobre o futuro, e enquanto assim for, o preço do ouro continuará a sua marcha ascendente.