O post de hoje é sobre automóveis. Mais precisamente é sobre a receita que é possível angariar sobre dois bens que são complementares ao (i.e. são consumidos em conjunto com o) automóvel. Refiro-me às autoestradas e aos combustíveis.
Apesar destes dois bens serem complementares ao automóvel, os dois têm características muito diversas quanto à sua procura. Em particular, enquanto em muitos casos há uma estada nacional que serve de alternativa a uma autoestrada, no caso dos combustíveis não há um substituto imediatamente disponível. E o que é que isso me interessa? Interessa, e já vai perceber porquê.
Um bem (ou um serviço) com muitas alternativas ou substitutos (em economês) tem uma elasticidade-preço da procura muito elevada – os economistas dizem que a sua procura é muito elástica. O que é que isso quer dizer? Como podemos ver pelo painel do lado direito da figura a seguir, uma procura relativamente elástica é uma em que, sempre que variamos os preços, a quantidade procurada oscila bastante – é muito sensível, portanto. Por contraponto, para um bem com uma procura relativamente rígida (ou inelástica em relação ao preço, em economês), como representada no painel da esquerda da figura a seguir, a quantidade procurada é relativamente insensível (i.e. responde pouco) a variações significativas nos preços.
Portanto os combustíveis (um bem com poucos substitutos) são um exemplo de um bem com uma procura representada pelo painel da esquerda, enquanto as utilizações das autoestradas são um exemplo de um bem com uma procura relativamente elástica, representada pelo painel do lado direito.
O quadro conceptual que traçámos até agora permite-nos duas análises interessantes, à luz dos desenvolvimentos recentes da política económica nacional.
Primeira análise. Tendo a utilização das autoestradas uma procura elástica em relação ao preço (painel da direita), pela chamada regra da receita (sendo a receita simplesmente calculada como o preço a multiplicar pela quantidade), o que acontecerá à receita quando se aumentar o preço, como aconteceu com o forte aumento das portagens? Ora, pela Lei da Procura já sabemos que existe uma relação inversa entre o preço e a quantidade procurada – se o preço aumentar então a quantidade procurada vai cair. Mas, neste caso, onde a procura é relativamente elástica, podemos dizer mais que isso: podemos dizer que a quantidade procurada (o número de carros a usar as autoestradas que dantes eram SCUTs) vai cair mais do que o aumento do preço, pelo que a receita tem mesmo de cair. Será tanto pior para a receita quanto mais alternativas (entenda-se estradas nacionais) houver.
Segunda análise. Um corolário da primeira análise é que, se o objectivo for obter receita, então torna-se necessário aumentar o preço dos bens e serviços relativamente inelásticos, como o caso dos combustíveis. Em muitos casos os bens mais inelásticos são bens essenciais e aí qualquer Governo é confrontado com um problema de equidade se insistir em obter receita dessa forma. (Esse é o caso dos medicamentos, da alimentação como um todo, e dos transportes públicos, etc. A propósito, mesmo com o fortíssimo aumento do preço dos passes da Carris, dizem que a quantidade procurada apenas caiu 3%, um sintoma de que a elasticidade-preço da procura é baixa, i.e. há poucas alternativas. Andar a pé ou de bicicleta, ou de skate talvez?)
Conclui-se que a elasticidade-preço da procura dos bens pode até parecer um assunto exótico da microeconomia mas, na prática, é fundamental para percebermos (e em muitos casos questionarmos) a racionalidade das opções de política económica que são tomadas.
Pois é caro Pedro Rodrigues
A resposta fica implícita do corolário da sua segunda questão é… micro economia.
É este disparate que acontece quando alguém que dirige seja numa empresa, um ministério, governo ou mesmo a nossa casa não tem uma visão abrangente o suficiente, para ver o verso e o reverso do problema, por isso é que a ultra especialização se pode tornar um problema em todos os sectores de actividade.
À necessidade de uma visão global e multifocal, pluridisciplinar de preferência, aliada a uma boa análise geoestratégica para constituir a base de uma geopolítica consequente é o necessário, mas isso é pedir muito neste tempo de dislate.
Este país, ou região, conforme se queira considerar, a pouco e pouco já não está a ficar para ninguém com cabeça.
Ajudava, se os cursos universitários tivessem obrigatoriamente uma parte da sua formação abrangente na Licenciatura, exemplo: Economia e Finanças, Química Laboratorial e Industrial, Electrotecnia e Máquinas, Civil e Minas, Saúde com os 3 anos comuns a todas as áreas, Direito Geral, seguido do Mestrado numa área, só no doutoramento então a hiper- especialização.
Essa base de formação e a obrigatoriedade de escolha de um sub grau noutra área, tal como economia ou artes ou filosofia, etc. um pouco na linha anglo-saxónica, talvez ajude a por este pais, ou região como se queira chamar, a funcionar outra vez.
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