Uma receita genial! Mesmo!

Sim, este post é novamente sobre impostos mas hoje trago uma ideia simples e muito interessante: a de um tax buyout, desenvolvida e popularizada aqui em 2010 por três economistas italianos, os primeiros dois dos quais a trabalhar nos EUA: são eles Marco Del Negro, Fabrizzio Perri e Fabiano Schivardi.

Então o que é um tax buyout? Não vou tentar traduzi-lo para português, não porque não valha a pena, mas simplesmente porque o termo vai ficar no léxico de todos mais cedo ou mais tarde. 🙂 Sim, é uma ideia assim tão genial.

O título deste post é, de propósito, “Uma receita genial” porque é de receitas fiscais que se trata, e de uma forma genial de as obter. Huh? Eu explico.

Correndo o risco de uma simplificação excessiva, uma receita fiscal, T, para um imposto como o IRS é obtida multiplicando uma taxa t por uma base fiscal B. Nos tempos que correm em que é necessário (para baixar o défice ou para financiar a despesa pública) aumentar a receita fiscal, até ter surgido a ideia dos tax buyouts, havia duas formas de o conseguir: i) aumentando a taxa, ou ii) alargando a base fiscal, de forma a que cada vez mais transacções ou rendimentos ficassem sujeitos a tributação.

Ora o aumento da taxa acarreta uma perda de bem estar para a sociedade que, tal como vem explicado nos manuais de economia e de finanças públicas, cresce com o quadrado da taxa. Logo, a perda de bem estar associada a um aumento do imposto aumenta mais do que proporcionalmente. Por este motivo, o aumento de uma taxa de imposto deve ser uma das últimas soluções a explorar.

Depois temos o alargamento da base que passa ou por incluir aqueles que dantes estavam isentos (ou porque gozavam de um determinado benefício fiscal ou por outra razão), ou então passa por colapsar numa só taxa as várias taxas que existiam – foi o caso do IVA em que muitos bens e serviços que eram tributados a taxas de IVA mais baixas passaram a estar sujeitas à taxa de 23%. O alargamento da base é mais eficiente (gera receita fiscal com menores perdas de bem estar para a sociedade) mas também tem os seus limites. Politicamente é difícil acabar com muitos benefícios fiscais, por exemplo. Vale a pena referir que o benefício do alargamento da base fiscal não é apenas um de maior equidade ou justiça social (pondo mais pessoas a contribuir do que existia anteriormente), mas comporta também um aumento de eficiência da máquina fiscal uma vez que a receita fiscal foi gerada com menos distorções ou perdas de bem estar para a sociedade.

Tendo feita esta (longa) introdução sobre os aspectos económicos da fiscalidade, agora podemos falar um pouco dos tax buyouts.

A ideia é muito simples. Sabemos que os impostos são distorcionários e causam perdas de bem estar para a sociedade porque alteram comportamentos, desincentivando o trabalho, o empreendedorismo e a poupança, por exemplo. Até agora, estas distorções eram entendidas como custos impossíveis de evitar para obter a receita fiscal.

Eis que surge a ideia de Del Negro, Perri e Schivardi: E se fosse possível baixar substancialmente estas distorções (desincentivos com custos económicos claros porque há transacções mutuamente benéficas que deixam de ser feitas por causa dos impostos), mas SEM perder receita fiscal? Será que é possível?

No tempo do Ronald Reagan e dos Supply-Siders, para se estimular a economia baixando as taxas de impostos, tinha que se suportar uma perda de receita e, como tal, para manter um saldo orçamental equilibrado (ou evitar um desequilíbrio orçamental maior) era necessário cortar na despesa pública.

Mas não com a ideia dos tax buyouts. Como?

Se já está a salivar de curiosidade para saber como, não desespere. Eu digo-lhe. A ideia é simples e é a seguinte: O contribuinte paga ao Fisco o mesmo montante em Euros que pagou no ano anterior, isto se a sua condição socio-económica não se alterou (continua empregado, casado, com o mesmo número de filhos, etc.). Poderia até passar um cheque ou fazer uma transferência bancária ao Fisco no início de cada ano civil. E depois … o segredo vem agora … por mais que ganhasse nesse ano, não pagaria mais em IRS. Ou seja, a sua taxa marginal de imposto em sede de IRS seria efectivamente 0%! Lembre-se que, para um economista, o adjectivo “marginal” quer dizer adicional, ou na margem.

O Estado não se importaria muito com isso porque teria garantida a receita fiscal no início do ano. Assim a receita fiscal deixava de ser uma incógnita (como o é actualmente) e, controlando as despesas públicas, teria muito maior controlo sobre o défice orçamental.

Para o agente económico também seria óptimo: regularizada que estava a sua situação fiscal para aquele ano, e com uma taxa marginal de imposto de 0%, isto quer dizer que por cada 100€ que ele conseguisse de rendimento extra (para além do que obteve no ano anterior) teria direito a ficar com 100€. Nada mau hem?

Da próxima vez que vos disserem que já tudo o que havia para ser pensado e ou inventado já o foi, lembrem-se destes três senhores.

Oxalá que esta ideia, ou uma variante dela, vingue pelo menos em alguns países da OCDE nos próximos tempos. Imagino que os resultados em termos de crescimento económico seriam bem interessantes.

Obviamente que a proposta inicial pode e deve ser melhorada. Mas que a ideia me parece muito interessante, lá isso parece … 🙂

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Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
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2 respostas a Uma receita genial! Mesmo!

  1. Tiago (aluno de appt) diz:

    Olá professor.
    Uma ideia arrojada que dá estabilidade fiscal às empresas e famílias. Dá estimulo a que as pessoas trabalhem mais e ganhem mais, pois não pagariam mais impostos por isso e previsibilidade fiscal às pessoas. Julgo é pouco provável a aplicação nos próximos tempos em países que tantas experiências estão a ser sujeitos como Portugal através da Troika.
    Obrigado e até aqui a um mês em macro LOOL
    Abraço

  2. Jorge Bravo diz:

    Ideia simples, parece ter pernas para andar, comparada com a TSU é mais fundamentada.

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