O lugar da mulher é …

Esta semana ouvimos (por exemplo através da TVI24) D. Manuel Monteiro de Castro, o novo cardeal que poderá vir a ser candidato a Papa, dizer que o lugar da mulher é em casa.

Cada vez que a conjuntura económica se degrada e vemos a taxa de desemprego a subir, é recorrente ouvirmos algo do tipo “Se as mulheres ficassem em casa a tomar conta dos filhos então a taxa de desemprego não seria tão elevada. Afinal, deixariam vagos os empregos para os homens.” … Humm. Será?

Foi então que pensei em recolher alguns dados sobre a taxa de participação feminina na força de trabalho e sobre a taxa de desemprego, para todos os países que conseguisse, e para o último ano disponível que, para a grande parte dos países, foi o de 2010. A fonte dos dados é a Organização Internacional do Trabalho.

Antes de passarmos em revista os dados, vale a pena referir alguns conceitos. Força de trabalho: Intuitivamente é o conjunto de todas as pessoas que ou já têm um emprego, ou procuram activamente ter um emprego. Portanto, é a soma dos empregados com os desempregados. Taxa de participação feminina na força de trabalho: É o rácio, o quociente ou a relação entre a força de trabalho feminina e a população feminina. Taxa de desemprego: É a percentagem da força de trabalho total que está desempregada, i.e. que não tem um emprego mas que procura activamente ter um. Note que se alguém que perde o emprego deixa de procurar activamente ter um emprego, ele ou ela deixam de ser contados como desempregados. Nesse caso a força de trabalho encolhe porque o número de desencorajados aumentou.

Agora que afinámos as definições, vamos olhar para os dados que recolhi. Encontrei dados para 74 países. Para todos os países (à excepção de cinco) os dados são relativos a 2010.

A figura seguinte retrata em nuvem de pontos a relação entre as duas variáveis.

A conclusão que se tira é que NÃO EXISTE DE TODO uma relação positiva entre as duas variáveis. O que é que isso quer dizer? Quer dizer que os dados NÃO CORROBORAM a tese de que em países onde a mulher fica mais em casa (e a taxa de participação feminina na força de trabalho é então muito baixa) a taxa de desemprego total é mais baixa.

Por isso, com base na frieza e objectividade dos dados estatísticos não é possível defender a ideia de que o lugar da mulher é em casa.

PS. O foco da análise é no mercado de trabalho FORMAL. Por isso, mesmo nos países onde a taxa de participação feminina na força de trabalho é baixa, isso não quer dizer obviamente que as mulheres não trabalham. Só que não o fazem (muitas vezes porque não o podem, como no caso dos países do Médio Oriente) a troco de um salário. Trabalham em casa, fazendo parte da chamada produção caseira que não é contabilizada no PIB.

Os cinco países de origem muçulmana sobre os quais recolhi dados destacam-se pela muito baixa taxa de participação feminina na força de trabalho. Fica a pergunta no ar: Quanto mais ricos é que estes países poderiam ser se deixassem as mulheres participarem no mercado de trabalho formal?

Vale a pena reflectir sobre isso …

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Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
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2 respostas a O lugar da mulher é …

  1. Patrícia Carvallho diz:

    Gostei muito, Parabéns. Espero continuar a ler posts tão interessantes.

  2. Jorge Bravo diz:

    Quanto ao Dr. Manuel Monteiro ele tem direito ao disparate, especialmente estando já em campanha para o topo da ortodoxia, por lá convêm ter longo curriculum de declarações ortodoxamente correctas.
    Os resultados estatísticos referentes a toda a área asiático – indiana, espelha a tendência local de encarar como uma extensão do trabalho da mulher em casa, a força tarefa agrícola dos campos de família e como tal não contando como trabalho.

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