Esta semana poderá ter sido o ponto de inflexão na crise da dívida soberana na Europa. E porquê? Porque ouvimos Mário Draghi, o responsável máximo pelo Banco Central Europeu, proferir numa conferência em que participou que o BCE fará tudo o que for necessário para salvar o euro.
Humm … Este tipo de anúncios tipicamente têm efeitos de médio longo prazo que são contrários ao que se pretende (como referiu depois o Bundesbank, o financiamento monetário dos défices dos Estados Membros irresponsáveis retira-lhes o incentivo ao bom comportamento … e tudo isto acaba por minar o próprio euro), mas no curto prazo deixaram os mercados financeiros eufóricos com a perspectiva de que o BCE – agora sim – irá começar a comprar massivamente títulos da dívida pública de Estados Membros da área euro como a Espanha e a Itália.
Vale a pena olhar para a evolução (dados mensais) desde 1980 da taxa de juro nominal a 10 anos implícita nos Treasuries dos EUA. Mercê das políticas pouco ortodoxas da Reserva Federal que, segundo algumas fontes, agora detém quase 80% da dívida pública emitida pelos EUA, as taxas de juro têm batido mínimos pelo menos desde 1980. Como referem os analistas de mercado, as yields estão num corredor e aproximam-se da linha de suporte (a linha mais a baixo), podendo subir no curto prazo.
Lembro que as taxas de juro são nominais, pelo que, depois de descontar a taxa de inflação para chegarmos à taxa de rendibilidade real (antes de impostos) chegamos à conclusão que esta é negativa! Portanto, os aforradores compram títulos da dívida pública que sabem que, com grande probabilidade, lhes dará uma rendibilidade negativa. Porquê? Uma explicação é que não se sentem motivados a colocar as suas poupanças em mais nenhuma classe de activos e por isso até estão dispostos a pagar aos Governos de países como os EUA, o Reino Unido e a Alemanha para guardar o seu dinheiro. Outra explicação – a que eu prefiro – é que a rendibilidade será de facto negativa se não forem realizadas mais valias no entretanto decorrentes do aumento do preço dos títulos. (Como qualquer aluno de economia de primeiro ano de universidade sabe, os preços das obrigações e as rendibilidades implícitas movimentam-se em sentido contrário – quando um sobe, o outro desce – porque as obrigações são vendidas a desconto, i.e. a entidade emissora obriga-se a pagar determinada quantia fixada à partida num momento posterior no tempo – por exemplo daqui a 10 anos – e este activo financeiro é transaccionado nos mercados financeiros por uma quantia inferior para permitir a quem o compra beneficiar de uma taxa de juro que lhe compense o valor do tempo que o seu dinheiro foi emprestado.)
Pois bem, e o que é que isto tem a ver com Mário Draghi? Tudo! Com as sucessivas rondas de Quantitative Easing que mais não são do que compromissos por parte das autoridades da política monetária que continuarão a comprar títulos das dívidas soberanas para impedir que as taxas de juro implícitas subam para valores que tornam as dinâmicas das dívidas públicas (ainda) mais insustentáveis, os aforradores têm entendido isto e bem como uma força potente do lado da procura que, a persistir, garantirá que o preço continua a subir.
E é aqui que a intervenção de Mário Draghi na semana passada ganha novo significado. Neste contexto, a novidade é que o BCE deverá juntar-se ao Banco da Inglaterra e à Reserva Federal Norte-Americana na compra de dívida pública de Estados Membros da Área do Euro. O que quer dizer que o BCE se compromete em ser uma força potente do lado da procura que vai quase que garantir a valorização destes títulos e a concomitante queda das taxas de juro, corrigindo da alta recente que temos visto na Itália e na Espanha.
Sendo um aforrador japonês, por exemplo, surge agora uma boa razão para comprar euros como meio para depois comprar os títulos da dívida que se pensa deverão valorizar nos próximos meses. Como os recursos disponíveis para os aforradores são limitados, provavelmente venderão as suas posições nos títulos de dívida do Reino Unido e dos Estados Unidos (Gilts e Treasuries, respectivamente) para comprar títulos da dívida europeia.
E assim, se eu estiver correcto, nos próximos meses assistiremos a uma valorização do euro (1EUR = 1,23187 USD é a cotação com que fechou na Sexta-feira) e um aumento das taxas de juro a 10 anos nos EUA.
Mas, há um outro dado curioso. Este ano, lá para Novembro 2012 haverá eleições presidenciais nos EUA e Obama fará de tudo para ser reeleito. Por isso não será de excluir mais uma ronda de Quantitative Easing, que será a 3ª, para manter as taxas de juro baixas.
A questão mais relevante no meio de tudo isto é por que razão as empresas e os próprios Estados não aproveitam as baixíssimas taxas de juro para financiar a sua actividade e ou projectos de infraestruturas? A resposta – pelo menos para o sector privado – está nas expectativas de que o futuro não será muito melhor do que é hoje … e assim é difícil racionalizar a contratação de mais colaboradores, por exemplo, especialmente com a expectativa de que a procura pelos bens e serviços que vendo não será mais dinâmica. E dificilmente poderá ser num contexto de austeridade prolongada … Um problema de peixinho de rabo na boca.