123 e estabilizamos a dívida, mas …

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O debate nos EUA sobre o precipício orçamental fez-me pensar o que Portugal terá de fazer para estabilizar a sua dívida pública como percentagem do PIB. A revista The Economist tem uma página interactiva que, usando dados do FMI, permite simular as mais diferentes hipóteses para um conjunto de países, incluindo para Portugal.

Curiosamente, brincando com alguns números (sim, é isso que os economistas fazem!), conclui-se que no cenário 123 conseguimos estabilizar a dívida pública em 108,6% do PIB a partir de 2020, um nível bem acima dos 60% de referência no Tratado de Maastricht.

E no que consiste o cenário 123? Estas são hipóteses de longo prazo e por isso devem ser entendidas como médias anuais de um período mais ou menos extenso: i) a taxa de crescimento real do PIB = 1%, ii) o saldo orçamental primário (i.e. o saldo orçamental excluindo a despesa em juros) em percentagem do PIB = 2%, e finalmente iii) a taxa de juro real (i.e. a diferença entre a taxa de juro nominal e o crescimento dos preços) = 3%. A página do Economist sugere que uma taxa de juro real de 3% para Portugal implicaria um prémio de risco de 70 pontos base (0,7 pontos percentuais) em relação à taxa de juro real para a Área do Euro.

O que dizer do cenário 123? A mim parece-me optimista, por várias razões: A. Para crescermos à taxa média anual de 1% em termos reais, precisamos que a produtividade do factor trabalho cresça a uma média de 2%, dado que o envelhecimento implicará um decréscimo médio anual do emprego de cerca de 1%; B. Depois, alcançar e manter um saldo orçamental primário de 2% do PIB será um desafio bastante significativo, dado o envelhecimento da população portuguesa (com pressões orçamentais em termos das despesas com saúde, cuidados a idosos, e claro, pensões) e outras surpresas orçamentais que vamos descobrindo (vale a pena notar que, antes da crise financeira eclodir, a Espanha manteve durante vários anos um saldo orçamental primário próximo dos 2% do PIB); e finalmente C. A taxa de juro real de 3% só será possível se conseguirmos manter um crescimento real do PIB de pelo menos 1% e um saldo orçamental primário positivo.

Talvez, em vez de dizer que o cenário 123 é optimista, deva dizer que apenas mostra a importância de orientarmos a política económica para o que deve ser prioritário: a) aumentar a nossa produtividade (para que cresça pelo menos 2% ao ano), e b) reformar o nosso processo orçamental para conseguirmos um saldo orçamental primário (em média) de pelo menos 2% do PIB.

Nota: Um saldo orçamental primário positivo corresponde a uma situação em que a despesa pública (exceptuando o pagamento de juros) é inferior à receita pública.

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Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
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