Uma lição a tirar

Não posso deixar o ano de 2012 terminar sem vos falar de algo que me tem preocupado durante vários meses: a prociclicidade da política orçamental em Portugal. O que é que isso quer dizer? Quer dizer que, por razões várias (entre as quais a suposta pouca margem de manobra), a política de despesa e receita pública não tem estado a desempenhar um dos papéis fundamentais que é atenuar a amplitude das flutuações económicas. Nos anos em que o PIB crescia razoavelmente, agravava-se o défice orçamental (gastando mais do que a receita que se recolhia), e nos anos mais recentes em que o PIB decresce, assistimos a uma política de austeridade. Tudo ao contrário do que deveria ser. Mas haveria uma alternativa?

Há dias a revista The Economist publicou, como de costume no final de cada ano, um artigo sobre o desempenho de vários activos financeiros em 2012, cobrindo várias classes: ‘commodities’, acções e obrigações (ver aqui). E eis que reparo que quem comprou dívida pública portuguesa no início de 2012 obteve um ganho (em dólares) de cerca de 80%. O primeiro pensamento foi logo que os chamados ‘fundos abutre’ (vulture funds) devem ter tido um ano excelente, mas (infelizmente para eles) não foi esse o caso, a julgar pelo magro desempenho dos chamados hedge funds: rondou os 5% em 2012.

Asset_perf_2012

E foi então que pensei que Portugal poderia ter escapado a uma política orçamental de austeridade em sessão contínua como a que assistimos (e a que vamos continuar a assistir nos próximos anos se não houver um crescimento económico robusto) se tivesse conseguido no final de 2011 ou no início de 2012 os recursos necessários para recomprar uma parte da sua dívida pública. E de onde teriam vindo esses recursos? Duas alternativas possíveis: A. Um aumento de impostos (provavelmente IRS) e ou uma redução de despesa que durasse apenas um ano (em 2012), ou B. Uma campanha de angariação de capital junto dos agentes económicos nacionais para comprarem dívida pública. No caso B, o stock de dívida pública ficaria inalterado mas ter-se-ia abatido a dívida externa porque os euros entretanto angariados teriam servido para comprar dívida que fora emitida anteriormente e comprada por estrangeiros (reparem que países como a Bélgica, a Itália e o próprio Japão não vivem a aflição dos mercados apesar de terem elevados rácios de dívida pública em relação ao PIB, precisamente porque uma parte muito significativa desta é detida por nacionais).

Dado que as taxas de juro implícitas estavam tão elevadas no início de 2012 (ou dito de forma equivalente, dado que o preço das obrigações do Tesouro estava tão baixo), uma operação de recompra de dívida como esta teria produzido um resultado bem simpático: uma valorização de 80% num ano.

Vale a pena fazer umas contas rápidas para ver o que se poderia ter obtido. No final de 2011, Portugal tinha um rácio de dívida pública / PIB cerca de 20 pontos percentuais acima da média da Área do Euro. Vamos supor que tínhamos obtido (através de uma combinação de aumento de IRS e corte na despesa pública que tivesse vigorado apenas em 2012) o equivalente a 11,1% do PIB. Nesse caso, com a valorização de 80%, teríamos chegado a 2013 com um rácio de dívida pública / PIB de ‘apenas’ 88%. E o que teríamos conseguido com tal proeza? Admitindo uma taxa de juro nominal média de 4%, significaria uma poupança anual de 0,8% do PIB, o que com o PIB em cerca de 160 mil milhões de euros em 2012 significaria uma poupança anual permanente de 1280 milhões de euros, a preços de 2012.

Pelas minhas contas, com um esforço concentrado em apenas um ano, teríamos conseguido inverter de forma muito significativa e para sempre o nosso futuro.

Vale a pena pensar nisto …

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Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
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