O esboço de um plano orçamental

Time for success

Em particular para os Cristãos, a Páscoa é um tempo de esperança no futuro, ainda para mais no ano em que o Plano de Ajustamento Económico e Financeiro (coordenado pela “Troika”) chega ao seu fim.

E é justamente pensando no futuro da economia portuguesa que hoje vos apresento o esboço de um plano orçamental para várias legislaturas. É algo ainda muito preliminar que pretende apenas estimular o debate desta matéria na sociedade.

Na linha do meu anterior post sobre a importância do investimento para o crescimento económico, um bom plano orçamental com um horizonte plurianual não se pode limitar apenas a enunciar os “ajustamentos” nas rubricas da receita e da despesa. Tem de estar muito bem enquadrado numa estratégia para o desenvolvimento socio-económico do País e, neste contexto, explicitar qual o contributo das finanças públicas.

Para ajudar a desenvolver Portugal, proponho que a estratégia macroeconómica passe por aumentarmos os rácios quer do investimento quer da poupança no PIB. Sem investimento, dificilmente haverá crescimento sustentável com melhores salários para todos, pois sem investimento não há ganhos de produtividade que continuem por tempo indeterminado. Mas mais investimento sem mais poupança tem como consequência um desequilíbrio ainda maior das nossas contas externas. E isso, a prazo, é insustentável pois deixa-nos vulneráveis às decisões de carteira dos credores externos, algo que pode mudar muito repentinamente.

E que contributos é que os sucessivos Orçamentos do Estado podem dar nessa estratégia macroeconómica, ajudando assim o País a desenvolver-se mais rapidamente e de forma mais saudável?

Para o bem e para o mal, o sector público é um agente económico fulcral para o desempenho da economia portuguesa. Neste contexto, elenco alguns contributos:

Contributo 1. Gerar excedentes orçamentais é equivalente a aumentar a poupança nacional. É assim porque um défice orçamental traduz-se numa maior acumulação de dívida, que representa despoupança.

Contributo 2. Gerar excedentes orçamentais ajuda a manter as taxas de juro baixas, o que estimula o investimento. Quando o sector público incorre em défice, está efectivamente a financiar o excesso de despesa sobre receita através de recursos financeiros que são desviado de projectos de investimento que criam emprego no sector privado. Um Estado em défice orçamental concorre com as empresas por financiamento cada vez mais escasso.

Contributo 3. Adoptar um plano orçamental plurianual credível (i.e., no qual todos os agentes económicos, nacionais e estrangeiros, acreditam) torna a acção do sector público mais previsível, o que induz a confiança e, assim, estimula o investimento nacional e estrangeiro. Um plano orçamental deve procurar ser o mais completo possível, enunciando não apenas as intenções (compromissos?) de despesa e (redução de) receita, mas referindo também que ajustamentos serão feitos para corrigir eventuais desvios que aparecerem.

Contributo 4. O nível da carga fiscal e a sua composição, assim como a composição da despesa são instrumentos potentes no incentivo ao investimento e à poupança. O investimento abarca não apenas a compra de instalações fabris, máquinas e equipamentos, mas também incide sobre o capital humano (o saber fazer que é acumulado através da educação formal e das acções de formação profissional, por exemplo) e sobre o capital de conhecimento (aqui a investigação em concertação com as empresas é fundamental). Do lado da poupança nacional, as componentes são a poupança pública (ter excedentes orçamentais é a chave para isso), a poupança das empresas, e a poupança das famílias. Em qualquer uma destas rubricas, o desenho das normas fiscais e os eventuais apoios por parte do sector público são determinantes para o volume e a qualidade dos projectos concretizados.

Agora que estabelecemos o que o sector público pode fazer para ajudar no desenvolvimento de Portugal, enuncio algumas ideias concretas. A ordem pela qual são apresentadas é irrelevante. Não procurei priorizá-las.

IDEIA 1. Adoptar uma regra para o crescimento real da despesa corrente primária (*), e inscrevê-la na Constituição da República Portuguesa. Proponho que se increva que o limite máximo para o seu crescimento em termos reais seja de 1% ao ano. O asterisco (*) é necessário, pois há que excluir algumas rubricas como as despesas com os subsídios de desemprego e com as pensões, e há que incluir a despesa fiscal (os benefícios fiscais que, pela redução de receita fiscal que implicam e que, assim, aumentam o défice orçamental têm de estar incluídos para evitar que um governo abuse com vista a contornar o cumprimento da regra de despesa). Ao focar a despesa corrente primária, excluímos o “investimento público, em setido lato” (aqui também haverá que determinar que parte da despesa social, da despesa com educação, com a investigação, e com a saúde ajudam a aumentar o potencial de crescimento económico do País) e excluimos também a despesa com o serviço à dívida pública, que é uma rubrica que não se controla directamente pois depende em larga medida da taxa de juro e do stock acumulado no passado.

IDEIA 2. Aprovar uma reforma do sistema público de pensões (CGA e Segurança Social) que, de forma equitativa (não implica ser igualitária!), neutraliza dois efeitos de bomba-relógio sobre a sustentabilidade financeira a prazo: a) o envelhecimento da população que reduzirá o número de activos a contribuir por cada inactivo a receber uma prestação social, e b) a crescente maturidade do sistema da Segurança Social, caracterizado por carreiras cada vez mais longas e mais densas, onde a subdeclaração das remunerações de base é cada vez menos pronunciada. Como qualquer um destes dois efeitos constitui uma enorme pressão sobre a despesa em pensões no futuro, há que calendarizar o ajustamento do valor das prestações a pagar com vista a moderar (ou desejavelmente eliminar) esta pressão.

IDEIA 3. Gerar um excedente orçamental no ano t, e comprometerem-se com a sua aplicação no ano t+2 de acordo com uma regra tripartida. Em anos sucessivos deve-se aplicar a mesma metodologia a eventuais excedentes orçamentais que apareçam, sendo que fica também inscrito na Constituição da República Portuguesa este compromisso. Proponho que o primeiro 1/3 da poupança gerada é usada para amortizar dívida pública, o segundo terço vai para uma redução da carga fiscal, e o último terço é dedicado ao investimento, público ou privado.

Ter uma dívida pública muito elevada é um factor de risco, pois o País e os seus contribuintes facilmente ficam vulneráveis a taxas de juro mais elevadas a que nos sujeitamos quando temos de emitir nova dívida. O aumento da taxa de juro pode ser global (se houver por exemplo uma quebra na poupança mundial) ou pode ser específico a Portugal, por exemplo se os investidores incorporarem um maior prémio de risco país, algo que pode acontecer num contexto de maior instabilidade política. Estar numa situação em que cada vez mais recursos públicos têm de ser desviados de outros fins para o serviço à dívida é claramente má para as perspectivas de crescimento da economia portuguesa. Por este motivo urge reduzir o endividamento, de acordo com um plano pre-estabelecido.

A redução da carga fiscal e, havendo um compromisso para o futuro, a expectativa de maiores reduções da mesma no futuro ajudam a criar uma dinâmica que atrai investimento directo estrangeiro e que induz também um maior investimento em capital humano. Encaro este compromisso em reduzir a carga fiscal de forma muito amplo, podendo em determinados anos ser dirigido ao estímulo da poupança, noutros anos ser usado para a criação de emprego no sector privado, e noutros anos ainda servir para combater a desigualdade económica e a pobreza. O importante é desencadear na sociedade portuguesa a expectativa realista de que é possível estar numa tendência de carga fiscal descendente ao longo do tempo. Para ser realista é necessário primeiro gerar excedentes orçamentais de forma sustentável e continuada. Vale a pena assim frisar que a redução dos impostos deve obedecer a três princípios: 1) “desonerar” tanto o factor capital como o factor trabalho, desejavelmente na mesma proporção, com vista a fomentar um clima de maior concertação social, e 2) concentrar a redução na tributação do rendimento e não no consumo, e finalmente 3) privilegiar o desagravamento fiscal “na margem” para que exista o incentivo para criar novo emprego e comprar novas máquinas. Nesse sentido, um crédito fiscal ao investimento (que condiciona o apoio à compra de novas máquinas e equipamentos) é preferível a uma redução do IRC, por exemplo.

Finalmente, o último terço da poupança pública de há dois anos deve ser dirigida ao investimento, público ou privado. Em linha com o meu anterior post, sem investimento dificilmente conseguiremos aumentar a nossa produtividade, e sem produtividade estaremos condenados a viver com baixos salários. Proponho que este último terço do excedente orçamental anteriormente gerado possa ser aplicado ou em despesa que comparticipa uma parte do investimento privado que é realizado, ou em projectos de investimento público (tangível ou intangível), e por fim que possa também ser aplicado para impulsionar as reformas estruturais, suavizando a transição.

IDEIA 4. Explicitar, em jeito de plano de contingência, as alternativas a que o governo poderá recorrer se tiver que fazer um ajustamento orçamental, face a um desvio inesperado. Para ser um plano orçamental credível aos olhos dos agentes económicos nacionais e estrangeiros, há que também referir que rubricas serão ajustadas caso o saldo orçamental piore inesperadamente. Dado que é impossível prever o futuro e cenarizar os piores desfechos, o importante aqui é referir de forma muito clara um conjunto de “Ses”. “Se” a razão para o desvio for este, agiremos assim. “Se” a razão para o desvio for outro, faremos isto. Aos olhos de todos, um plano assim mostra que o executivo antecipou com realismo os riscos e está prepado politica e orçamentalmente para os conter.

Termino este looooooooongo post com uma notícia de hoje do jornal Público. Dá conta do anúncio por parte de Matteo Renzi, o novo Primeiro-Ministro da Itália, de um conjunto de medidas orçamentais que nos interessam porque a Itália também precisa de fazer uma Reforma do Estado.

Cito duas passagens:

Cada visado terá 60 dias para decidir como realizar estes cortes “de forma inteligente”; se falharem o prazo, o Governo tratará de decidir onde cortar, avisou Renzi.

e

[…] vai obrigar as autoridades (câmaras e administração central) a publicar online as suas despesas. “Os cidadãos têm de saber não só quanto mas como é gasto o dinheiro da administração. Vamos publicar até quanto custam os telemóveis dos assessores. Isto é uma revolução”, sublinhou Renzi.

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Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
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