Um roteiro para o crescimento económico?

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The Road to Growth” é como se chama o mais recente documento de estratégia do Executivo. Apesar de ter muitas ideias com as quais concordo (mais sobre isto já a seguir), fiquei com a impressão que este é um texto ainda muito preliminar, em particular quando formaliza e explica (pouco!) as medidas que conduzirão Portugal, no médio prazo, ao crescimento económico sustentado. Parece mais ter sido um texto cujo objectivo principal foi mostrar aos nossos parceiros e credores internacionais o “resolve” ou determinação/comprometimento em prosseguir com as reformas estruturais, não vá alguém pensar que este Governo já entrou em fadiga.

Antes de apresentar algumas ideias que acho que fazem falta neste documento, vou referir as três passagens que mais gostei de ler, algo que não será grande novidade para os leitores mais assíduos deste blog.

(1) Em primeiro lugar, na coluna da esquerda da página 11, gostei de ver que o Executivo subscreve a posição do economista português da Universidade de Columbia, EUA, Ricardo Reis, que referiu recentemente que foi a má afectação do financiamento que Portugal recebeu que esteve na origem da década perdida (00) em termos de crescimento económico e do agravamento do desequilíbrio das nossas contas públicas. Pena que não subscrevam também à opinião do mesmo quanto à inexistência de uma crise de competitividade em Portugal. Há sim, e eu concordo a 100%, um grave problema de produtividade. E, esse, deve ser o foco do Executivo. Temos de pensar em como aumentar a produtividade, e tudo o resto se encaixará.

(2) O segundo trecho que gostei de ler está também na coluna da esquerda da página 26 e diz que um Governo não deve prosseguir uma “política industrial” (a designação técnica é mesmo essa e nada tem a ver com a ‘indústria’), i.e. um Governo deve resistir à tentação de privilegiar com fundos públicos determinados clusters / sectores / empresas. Deve dar as mesmas oportunidades a todos. Vale a pena lembrar que a literatura recente (referente aos EUA) aponta para um resultado interessante: não são as pequenas empresas que criam mais postos de trabalho, são as empresas mais novas. Sendo assim, porquê a insistência da classe política em apoiar as pequenas (ou pikenas?) e médias empresas?

(3) O terceiro e último trecho, com o qual me identifico de imediato, está na página 34 que diz que, no que toca à educação, é importante monitorizar a qualidade do ensino prestado, aumentar a autonomia das escolas, reforçar a ligação entre as escolhas e as empresas, e por fim, refere-se que é desejável condicionar o acréscimo de investimento público no ensino superior à taxa de empregabilidade que uma determinada escola alcança. Espero que este seja o início de uma orçamentação orientada para o desempenho (“performance-based budgeting” em inglês para quem quiser ler mais no Google), onde as dotações orçamentais são influenciadas pela qualidade do impacto que o serviço público tem sobre a sociedade.

Para ser um verdadeiro roteiro para o crescimento económico, credível e válido para várias legislaturas, o documento precisa de explicar, antes de mais nada, como é que a sustentabilidade de médio e longo prazo das finanças públicas promove o crescimento económico e ou o torna mais sustentado? Que riscos minimiza, por exemplo? Acho curioso que, desde o início da nossa integração na Europa, nunca houve um político que se desse ao trabalho de explicar isto ao eleitorado. Eu tenho algumas ideias, mas isso fica para outro post. 🙂

Por fim, apresento uma lista com algumas de ideias que, a meu ver, deveriam ter sido incluídas e discutidas (há muitas outras, e convido desde já o leitor a participar no debate, usando para tal os comentários a este post):

1. O documento apenas refere, algo de raspão, a fiscalidade verde. De facto, como eu e o meu co-autor Alfredo Marvão Pereira já tivemos oportunidade de referir (num capítulo que aparecerá brevemente no livro Por Onde Vai o Estado Social em Portugal?, editado pela Vida Económica), uma reforma fiscal bem sucedida pode desempenhar um papel preponderante, não apenas para promover um crescimento económico mais rápido, mas também para tornar politica e economicamente mais sustentável o próprio processo de consolidação orçamental em Portugal. Mesmo obrigado a respeitar a ‘neutralidade das receitas fiscais e contributivas’, é possível fazer recombinações de margens fiscais que são mais amigas do crescimento económico.

2. No segundo apêndice do documento, dedicado à correcção do desequilíbrio das contas externas que foi mais rápida que o inicialmente previsto, diz-se que numa União Monetária a desvalorização cambial não é opção para melhorar a competitividade. Onde se assume que isso seria desejável, eu tenho as minhas dúvidas que fosse sequer eficaz. Dado que o Executivo já se comprometeu com o aumento em 2015 do IVA e das contribuições sociais (dos empregados), vale a pena perguntar se a chamada desvalorização fiscal que era moda em 2011 já morreu, e se ainda poderia ser uma medida interessante no contexto pós-Troika.

3. O documento revela que quem o redigiu conhece o trabalho do economista Ricardo Reis (como já expliquei acima), mas não parece subscrever à visão que este tem sobre o desequilíbrio das contas externas. Em particular, o défice da balança de transacções correntes atingiu níveis recordes devido à entrada de capital financeiro, sendo que quando este deixou de entrar (a tese do sudden stop) por altura da crise financeira que aumentou por todo o mundo a aversão ao risco dos credores, rapidamente o país começou a fazer progressos no sentido de melhorar o desequilíbrio externo. Esta realidade é comprovada pelo aumento da taxa de poupança dos 6% em 2008 para os 13% em 2013, numa altura em que o investimento nacional não registou um aumento semelhante. Parece-me que a visão do documento, excessivamente focada na balança comercial, é demasiado mercantilista. Sim, é importante aumentar o peso das exportações no PIB, mas apenas para nos dar os meios com que adquirir as importações. Temo que com a retoma da actividade económica em Portugal, as importações voltem a aumentar de forma desenfreada. Certamente que já repararam no “enorme número de matrículas” com registo posterior a Março de 2014. Parece-me que pode ter havido alguma antecipação racional dos reembolsos de IRS que as famílias iam receber em breve, e aplicaram esse dinheiro como o pagamento de entrada para um novo automóvel. E o que é que isto tem a ver com a promoção do crescimento económico, questiona-se a esta altura o leitor? Tudo! Os automóveis são um bem duradouro, importado, e adquirido a crédito. Quanto mais crédito for canalizado para o consumo e para o défice orçamental, menos sobrará para o investimento privado que cria empregos e garante uma retoma saudável. Por este motivo, talvez seja de reequacionar o agravamento do imposto de selo aplicado a bens importados e adquiridos a crédito. No fundo, crescer mais depressa e de forma sustentável, exige que os recursos, sempre escassos, sejam aplicados da melhor forma. Para os leitores com uma inclinação mais mercantilista, pergunto quantas toneladas de pastéis de nata é preciso vender ao estrangeiro para compensar a compra de um automóvel no valor de 20 000 euros?

4. O documento refere, e bem, que a taxa de poupança subiu para os 13% em 2013. Se bem que uma boa parte deste aumento se deva ao aumento do desemprego e ao clima de maior incerteza, que levou muitos agentes económicos a aumentar a sua poupança por motivo de precaução, é fundamental mostrar ao aforrador que vale a pena poupar. Sendo que benefícios fiscais dirigidos à poupança são custosos em termos orçamentais, deixo uma outra ideia. Um dos factores que distingue o tecido empresarial em Portugal da Alemanha é que somos demasiado dependentes em financiamento bancário. Na Alemanha, o financiamento por dívida dá lugar ao financiamento por capitais próprios. Agora que os Portugueses parecem ter voltado ao hábito de poupar mais, parece-me ser um momento ideal para lançar uma bolsa de valores onde as empresas mais pequenas ou mais novas ou as start-ups possam financiar-se sem recorrer ao banco.

5. Como assegurar que todos beneficiam do crescimento económico? Se, por exemplo, o Executivo privilegiar uma medida intensiva em factor trabalho (algo que faz sentido numa altura de elevado desemprego), o resultado pode ser uma produtividade mais baixa, para mais porque o desemprego afecta desproporcionalmente os trabalhadores menos qualificados.

6. Como sabemos, há uma proporção muito significativa dos trabalhadores mais jovens que têm pouca educação formal. Urge mudar isso. E que tal um crédito fiscal atribuído a empresas que fazem on-the-job training? Ou condicionar um IRS mais baixo para quem está envolvido numa iniciativa deste tipo?

7. O envelhecimento da população é um grande desafio que teremos colectivamente de enfrentar durante as próximas décadas. E aí, pouco ou nada é dito, para além da óbvia necessidade de reformar os sistemas públicos de pensões e torná-los financeiramente sustentáveis. Mas há tantas outras coisas a discutir como a formação ao longo da vida, a flexibilidade da idade de reforma para que os trabalhadores mais experientes não abandonem simplesmente o mercado de trabalho e possam transmitir às gerações mais novas a sua experiência, e ainda tudo o que diz respeito à desejabilidade ou não de uma política que promove a natalidade.

Como podem constatar, apenas abordei a ponta do icebergue no que toca às melhores medidas para reorganizar a sociedade, no sentido de aproveitarmos da melhor forma possível os recursos que temos e crescermos mais rapidamente.

Em jeito de conclusão, o texto que discuti não é (ainda!) um roteiro para o crescimento económico, mas se servir para dar o pontapé de saída de uma discussão focada em como aumentar a nossa produtividade, já terá servido um dos seus objectivos.

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Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
Esta entrada foi publicada em Crescimento económico, Finanças públicas. ligação permanente.

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