Uma convergência possivelmente enviesada

Hoje continua a discussão entre o Governo e os parceiros sociais sobre a reposição dos cortes nas remunerações dos funcionários públicos e sobre a Tabela Remuneratória Única.

O objectivo do Governo é que as remunerações do sector público convirjam, tão depressa quanto possível, para as remunerações praticadas pelo sector privado. A 22 de Fevereiro de 2013 foi divulgado um relatório que o Governo pediu à consultora Mercer e que serve de benchmark (padrão ou bitola) para todo este processo.

Sendo professor universitário no sector público, naturalmente cheguei à página 83, que a seguir replico.

mercerSegundo o estudo, um docente do Ensino Superior público ganha (em termos ilíquidos) cerca de 27% mais do que o seu colega com as mesmas funções no sector privado.

O problema, contudo é a forma como estes números foram obtidos. A fonte dos mesmos para o sector privado é o Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social. O que isso quer dizer é que as remunerações ilíquidas foram obtidas como os ganhos médios mensais (brutos) sobre os quais foram pagas as contribuições sociais. Ora, sendo maior no sector privado a possibilidade de fuga às contribuições para a Segurança Social, não é de todo conclusivo quanto deste diferencial (neste caso: 27%) se deve à fuga contributiva, e quanto se deve ao pagamento de vencimentos mais elevados.

Não existe (que eu saiba) evidência para a fuga às contruições para a Segurança Social específica ao Ensino Superior privado, mas parece-me razoável assumir que esta não será muito diferente da fuga média que é praticada em todo o sector privado em Portugal. A seguinte figura foi retirada da obra Por Onde Vai o Estado Social em Portugal (organizado por Fernando Ribeiro Mendes e Nazaré Cabral e que estará brevemente disponível nas livrarias), e apresenta dados internacionais sobre as contribuições patronais que nos fazem pensar que, para elevada taxa que existe em Portugal actualmente, as receitas efectivas deveriam ser bem superiores, uma evidência clara de uma significativa erosão da base contributiva.

ineff_FSSC

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Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
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3 respostas a Uma convergência possivelmente enviesada

  1. Carlos Albuquerque diz:

    Duas impressões:
    – a qualidade média das instituições privadas é muito inferior à qualidade média das instituições públicas;
    – a nível de ensino superior há concorrência internacional em muitas áreas cobertas pelo ensino público.

    Nivelar o salário nas universidade públicas pela média das escolas privadas pode simplesmente trazer a qualidade das escolas públicas para a média da qualidade das escolas privadas.

  2. existe outro factor a ter em conta – existência ou não de exclusividade na actividade, que não é claro que tenha sido contemplado. Adicionalmente a composição do corpo docente deve fazer diferença – se houver mais professores catedráticos e associados no
    sector público que no sector privado, para salários iguais o valor médio seria superior no público. Ou seja, ficamos com três factores
    para justificar, ou não, a diferença:
    – evasão (ilisão) fiscal
    – composição diferente, influenciando o valor médio
    – exclusividade, ou não

    Sobre a diferença na recolha de fundos, estamos quase 30% abaixo na receita que devíamos ter?! fantástico…

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