Concedi há dias a seguinte entrevista à Beatriz Maia, uma aluna do Instituto Superior de Economia e de Gestão (ISEG) da ULisboa para uma nova plataforma no Instagram que se chama EAgora.pt e que se destina ajudar os alunos do ensino secundário a escolher melhor o seu curso superior. Uma excelente iniciativa! Parabéns Beatriz!

- Na tua opinião, quais as semelhanças e quais as diferenças entre o curso de Economia e de Gestão? A Gestão preocupa-se em atingir determinado(s) objetivo(s) fixados pelo responsável de uma qualquer organização. Nesse sentido, um treinador de futebol tem de ser bom gestor – tem de conhecer os seus jogadores (os seus pontos fortes e fracos), qual a melhor forma de os colocar em campo (a estratégia e a tática de jogo), como motivá-los, como resolver conflitos e como reagir a adversidades (aquele golo que dá 1-0 ao adversário no minuto 80′ de um jogo), entre muitas outras funções. Quem determina o objetivo é o presidente do clube. A Gestão é uma ciência tão polivalente e tão procurada hoje em dia precisamente porque sem saber para onde queremos ir (o nosso objetivo), nunca lá chegaremos. Gestão muitas vezes é confundida com Economia, mas são mais as diferenças que as semelhanças. A semelhança é apenas que ambas usam ‘recursos’ – i.e., tudo o que temos à nossa disposição para atingir os objetivos a que nos propomos. A Economia preocupa-se essencialmente em aumentar o bem-estar (material) de uma sociedade (i.e., em aumentar a felicidade ao maior número possível de pessoas – algo a que os economistas dão o nome de eficiência económica) e a forma como esta felicidade é distribuída entre todos (a chamada justiça social). É um erro pensar que a Economia e os economistas só se interessam pelo lucro, combater os défices e baixar a dívida. Aliás, o paradigma moderno refere a ‘criação de valor’ que é um conceito que inclui a sustentabilidade em todas as suas vertentes. É nesse sentido que me vejo como uma espécie de ‘Engenheiro da Felicidade Material, EFM’. 🙂
- O que te fez optar por esta área? Eu sempre me interessei pela ciência e pela política, e pensava que devia haver uma forma sistematizada da primeira ajudar a segunda. Lembro-me que à medida que tentava compreender a imprensa na altura, perguntava-me como é que as pessoas com poder (os políticos e os gestores) tomam decisões importantes que afetam a vida de milhares de pessoas? Deve haver um método científico qualquer. É com base em quê? Depois com o tempo, fui descobrindo – pelo meu próprio pé – como os problemas sociais são muito espinhosos – coisas como a pobreza, o desemprego, os baixos salários, a baixa produtividade, o endividamento, etc. São espinhosos porque são multifatoriais (i.e., são influenciados por vários fatores). Como o problema da obesidade – depende da genética, da psicologia, do comportamento, da forma como as cidades estão organizadas, etc. E tudo isso ainda me intriga hoje em dia. Cada vez mais, chego à conclusão que apesar da Economia estar em todo o lado, não podemos nem devemos usar o nosso senso comum para compreender e melhorar o mundo. Há que estudar como o mundo (económico) funciona. Na política, não pode só valer a ideologia e a retórica. Acho que, cada vez mais, o eleitorado quer decisões fundamentadas em boas práticas e em evidência científica.
Fala-nos um pouco sobre o teu percurso académico e profissional até aqui. Bem, tenho atualmente 45 anos e considero que estou sensivelmente a meio da minha carreira. Costumo dizer que o meu principal enviesamento profissional é ser licenciado, mestre e doutor em Economia, tudo pela (agora designada) Nova SBE, da qual tenho muito boas recordações, principalmente por vários professores-chave que me deram o framework mental com que abordar qualquer questão da sociedade em termos económicos. Neste momento sou investigador, orientador e professor no ISCSP, uma das escolas da ULisboa, uma função que desempenho desde 2010. Antes disso, logo quando me licenciei, passei um pouco mais de dez anos a trabalhar no Ministério das Finanças, primeiro como técnico-economista da então DGEP (agora GPEARI) e depois como adjunto do Secretário de Estado do Orçamento, Dr. Emanuel Santos, entre 2007 e 2010. Tive também breves passagens pela Comissão Europeia, pela OCDE e pelo FMI. Por isso, gosto de pensar que as minhas aulas e a minha investigação beneficiam da experiência do terreno que acumulei nesse período. Pelo menos, é o que dizem os meus alunos. 🙂
- O que é que a pessoa pode esperar do teu curso e quais as coisas que gostavas que te tivessem dito sobre ele? Quem escolhe fazer uma licenciatura em Economia pode esperar aprender a usar uma ferramenta que a vai ajudar não só a compreender melhor o mundo, mas também – e principalmente – a saber distinguir as boas ideias das más ideias. Acho que ser economista é isso mesmo. Assim como todos temos um umbigo, também temos o direito a opinar sobre tudo e mais alguma coisa. Mas há soluções propostas por alguns que são verdadeiramente más para a sociedade. E a função de um bom economista é ter o ‘faro’/radar apurado e combater esses erros. Com isto não estou a dizer que um bom economista é arrogante ao ponto de pensar que tem todas as soluções e que é dono da verdade. Nada disso. Combater a demagogia não só é possível, como é indispensável. A Economia é apenas uma das várias ciências sociais e uma boa decisão política exige que todas sejam auscultadas.
Quanto à segunda pergunta – o que gostaria que me tivessem dito sobre o curso de Economia … Que a sociedade nos vê como cientistas da desgraça (dismal scientists), que é algo que devemos procurar combater. Isso deve-se talvez ao facto de muitas vezes sermos chamados para antecipar ou resolver problemas quando as soluções, por terem sido adiadas pelos políticos, já requerem um ajustamento com dor (aumentando o desemprego, por exemplo. Daí a designação de ciência da desgraça!). Se pensarmos em dois dos maiores desafios que enfrentamos a médio prazo – como as alterações climáticas e a sustentabilidade financeira da Segurança Social – a mensagem da maioria dos economistas é clara (e desagradável!): quanto mais tempo esperarmos para agir, maior terá que ser o ajustamento (a dor!). Para terminar numa nota mais positiva, um economista deve salientar o que se deve fazer de forma preventiva e não só corretiva. O problema é que os recursos são sempre limitados e, para termos mais recursos, temos que fazer um investimento que comporta necessariamente um sacrifício no presente para podermos estar melhor no futuro. Escolhas sempre difíceis …
- Quais são, na tua opinião, as competências essenciais para quem quer seguir esta área. Ser eclético. Gostar de tudo um pouco, como história e geografia. Ter imensa curiosidade sobre como funciona o mundo. Achar piada à política. Gostar de pessoas. E ter alguns conhecimentos de matemática (mais a intuição que outra coisa) também ajuda.
- Por fim, como posso saber qual dos 2 cursos se adapta mais a mim? O que posso fazer para ajudar a escolher entre os 2. Como dizia o filósofo Sócrates, conhece-te a ti próprio. Faz uma introspeção e verifica depois a seguinte checklist: Gestão é melhor alternativa se: 1) para ti é mais importante ganhar dinheiro do que contribuir para melhorar a sociedade, 2) és mais executiva que analítica, 3) gostas de trabalhar em grupo, 4) preferes ler uma Harvard Business Review a um The Economist, e finalmente 5) preferes um Shark Tank a um Prós e Contras.
Muito Obrigada Pedro.