A ineficiência (da maioria) das prendas de Natal

Este é, muito provavelmente, o post em que todos que lêem este blog vão pensar que, no mínimo, o Pedro Rodrigues leva a economia demasiado a sério.

Como poderá a quadra Natalícia – um tempo de paz, amor, concórdia, criancinhas birrentas, pessoas que lutam pelo que parece ser o derradeiro lugar no Mundo para estacionar o seu automóvel, filas intermináveis nos centros comerciais e uma reanimação (temporária) da actividade económica – ser ineficiente do ponto de vista económico?

Se acham que vou falar do tempo que se perde nestas actividades (pensar no que hei de comprar para a vizinha do 5.º esquerdo, passar trinta minutos da minha hora de almoço numa fila de uma qualquer loja, [inserir aqui outra actividade aparentemente desperdiçadora do meu tempo], etc.), tempo esse que, numa lógica de custo de oportunidade, poderia ser melhor empregue numa outra actividade mais produtiva e que me desse mais bem-estar … não, (poderia, mas) não vou por aí!

Se acham que me vou referir ao consumismo aparentemente acéfalo (feito muitas vezes a crédito usurário), e à necessidade de adoptarmos um estilo de vida mais minimalista, menos materialista e mais focado no que é, de facto, essencial, lamento decepcionar, mas também não, (deveria, mas) não vou por aí.

Em alternativa, vou mesmo falar do valor que atribuimos às prend(inh)as com que nos prendam e com que nos prendem neste tempo do ano. Huh!?

Quem é que nunca recebeu como prenda de Natal algo que o/a deixasse a pensar: “Mas como é que me deram isto? Será que não sabem que eu DETESTO coisas assim?!”. Ah, pois é? E, depois, o comportamento socialmente recomendado: “Adoro! Mas, a sério, não se deveria ter importado!”. Mesmo! Já nem falo do que nos custa o sorriso amarelo que somos obrigados a exibir …

Refiro-me, então, à diferença entre o montante em euros que foi gasto na prenda e o valor atribuído por quem a recebe. Imaginem que gastam €50 este Natal e oferecem (o que acham ser) uma linda camisola à vossa cara metade. Como poderá um gesto tão ternurento como este ser ineficiente? Fácil. Basta que ele/a exija um montante inferior a €50 para abrir mão do que lhe deram. Se a pessoa não der muito valor então exigirá muito pouco … Portanto, aos olhos desta análise económica, o Natal poderá ser uma forma muito ineficiente (pense em desperdício!) de fazer o matching entre consumidores e bens.

No Natal de 1993 (ainda eu não frequentava o ensino superior), um economista investigador chamado Joel Waldfogel publicou este artigo na revista American Economic Review. Este investigador estimou um desperdício ou ineficiência média na ordem dos 20%, i.e. o valor atribuido por quem recebe uma prenda é tipicamente 20% mais baixo do que o montante que foi pago por quem a ofereceu. Vale a pena dizer o mesmo de forma diferente: ele estimou que dar uma prenda (não tem de ser no Natal, pode ser num aniversário ou noutra festa) destroi cerca de 20% do seu valor de compra. Se tiver mais cinco minutos, veja este link.

Esta é a ineficiência de algumas prendas de Natal, algo a que os economistas chamam deadweight loss ou carga excedente. É simplesmente o desperdício de recursos (que são sempre escassos, lembrem-se!) que poderia ser evitado sem que alguém perdesse algum bem estar.

E qual a razão desta ineficiência? Na prática, é difícil advinhar as preferências de alguém, mais ainda quando não o/a conhecemos muito bem. Afinal o que é que a minha sogra gostará que não implica necessariamente uma (enorme?) perda de bem estar para mim? 😉 Quanto maior a diferença de idades entre quem oferece e quem recebe, maior tende a ser o desperdício de recursos. Isto explica por que razão os avós muitas vezes optam (sabiamente) por dar dinheiro.

A principal razão para a ineficiência na troca de prendas é a violação da soberania do consumidor que nos diz que as escolhas que resultam no maior acréscimo de bem estar são tipicamente feitas pelos próprios. Por isso, se acha que o Estado faz um péssimo trabalho no que compra com o dinheiro que lhe disponibiliza através das suas taxas, contribuições e impostos, deverá (para ser consistente) ser muito desconfiado de um tal senhor de barbas brancas conhecido como Santa Claus. 🙂

É fácil de ver porquê. Imaginem que o único bem que existe na economia são camisas. Mas há camisas feias e camisas bonitas, assim como há camisas caras e camisas mais em conta. Se for comprar uma camisa com o SEU próprio dinheiro, vai procurar aquela com maior ‘value for money’, i.e. aquela que lhe dá o maior rácio qualidade/preço. Agora imagine que quer oferecer uma camisa a alguém. O que faz? Nos tempos que correm, provavelmente fixa um limite máximo para o montante a gastar e procura uma boa camisa, nunca sabendo se escolheu bem ou não, i.e. se a pessoa a quem vai oferecer a camisa teria escolhido a mesma que você escolheu com o dinheiro disponível (estão a ver a importância da soberania do consumidor?). Agora imaginem que, tal como faz o Estado, delegam em si a tarefa de comprar 100 camisas para oferecer. Não há um limite máximo para o quanto pode gastar na compra das 100 camisas mas pedem-lhe bom senso e que pense que é dinheiro dos contribuintes. O que vai fazer? Provavelmente, acaba por comprar 100 camisas iguais (todas brancas?). Não está muito preocupado/a se vai corresponder às preferências das pessoas que as vão receber. Afinal, não tem informação sobre o que elas gostam e se comprar cores e camisas de tecido diferentes pode correr o risco de haver sobras das que não forem populares e carência de outras que as pessoas mais gostam. Estão a ver como é difícil a tarefa do Estado? E estamos só a falar de camisas … Imaginem o que seria se fosse cuidados de saúde ou educação …

Mas, Pedro, dar dinheiro a alguém não tem um estigma social associado?

E não é possível que uma prenda, como um CD de jazz, desperte o gosto pelo mesmo que dantes não existia? Sim, é possível, mas esse caso deverá ser a excepção e não o que normalmente acontece. É muito mais provável que recebamos uma gravata florida ou umas chinelas que brilham no escuro do que algo que nos melhora verdadeiramente o nosso bem estar.

E o valor sentimental, não conta? Pode ser esse o caso. É possível que a pessoa dê mais valor ao objecto que recebe do que o montante que foi gasto em adquiri-lo. Imagino que seja assim no caso de um anel de casamento, por exemplo. 🙂

Por isso, a moral da história parece simples: se o seu ente mais querido for um racionalista pode e deve oferecer-lhe dinheiro; se insistir em fugir a esta regra e comprar-lhe ALGO, para racionalizar o seu comportamento, é bom que seja um dos seguintes casos: a) trata-se de uma criança que não tem os meios (financeiros e logísticos) para se deslocar ao Toys R Us e comprar o que quer e ou ainda não tem preferências formadas (e aí fica contente com qualquer coisa que lhe dermos, será?), b) o que estou a oferecer não existe por cá (comprei-a em viagem), c) ele/ela vai gostar de receber isto porque é algo que ela nunca compraria pela culpa de o consumir (vai um chocolatinho?), d) sei muito bem o que ele/ela gosta e por isso não há (grande) desperdício de recursos (aqui, o mais eficiente é perguntar à pessoa o que ela quer receber, mas para algumas pessoas assim não tem piada porque não há o efeito surpresa), ou e) quero que a prenda funcione como um mecanismo de sinalização – i.e., quero que a pessoa se lembre de mim, ou do quanto gosto dele/a, ou que me esforcei para lhe encontrar algo … quando olhar para o que lhe dei. Em qualquer caso, dado que a perda de recursos (i.e., a ineficiência) aumenta com o montante gasto com a prenda, se esta tiver um valor sentimental, basta que seja financeiramente simbólico. Afinal, é a intenção que conta, não é assim mesmo? 😉

Este post vai (desnecessariamente) longo – bem sei que me vão dizer que ler o meu blog é que é ineficiente 😛 – mas julgo que vale a pena pensar nas distorções em termos de uma boa afectação de recursos que decorrem da prática socialmente instituída chamada ‘troca de prend(inh)as’.

Seguindo então a sugestão deste post, um livro a NÃO comprar como prenda de Natal este ano é Scroogenomics de Joel Waldfogel, o economista e investigador que nos alerta para a ineficiência da maioria das prendas. 😉

PS. Ouçam aqui um postscript a este post que apenas faz sentido se for ouvido.

Sobre Pedro G. Rodrigues

Investigador integrado no Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP) e Professor Auxiliar do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Universidade de Lisboa. Doutorado em economia pela Universidade Nova de Lisboa. Email: pedro.g.rodrigues@campus.ul.pt
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4 respostas a A ineficiência (da maioria) das prendas de Natal

  1. Bernardo Sotto Mayor Pizarro diz:

    Gostei muito do seu post. Eu acho a troca de prendas uma perfeita estupidez (a não ser para as crianças da família e mulher/ namorada). Afinal de contas o Natal é estar com as pessoas de quem nós gostamos! E comer muito bem hehehe Acho que os únicos presentes deveriam ser a multa para a refeição do Natal. Assim seria uma prenda partilhada por todos e que todos gostam. Eu vou escrever num papel uma dedicatória a toda a gente da minha família e entregar com um pequeno chocolate. Acho que este gesto significa mais do que umas tais pantufas que brilham no escuro, como você referiu hehehe. Um forte abraço e Bom Natal!

  2. Pingback: Anónimo

  3. Ainda pior do que as prendas que custam mais do que valem para quem as recebe, são as prendas compradas a compradas a crédito, com o custo escondido do Natal fiado a ser pela próxima geração.

    Será por isso que se fala tanto no Natal das criancinhas?
    Ver http://ppplusofonia.blogspot.com/2011/12/se-o-pai-natal-fosse-chines.html

  4. Pingback: Os economistas e as prendinhas de Natal (e não só!) | 10envolver: examinar, explicar, fazer crescer

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